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A transação tributária federal avança na Procuradoria da Fazenda Nacional e na Receita Federal do Brasil

Após a aprovação da Lei 14.375/22, que alterou a norma legal que rege a transação tributária federal, que é a Lei nº 13.988/20, presenciamos nas últimas semanas a edição de Portarias pela PGFN regulamentando o tema, bem como a publicação da Portaria RFB 208/22, em 11/08/22.

Por força da alteração efetivada pela Lei 14.375/22, passou-se a prever a possibilidade de  a Receita Federal do Brasil celebrar transações no contencioso administrativo fiscal, que, anteriormente, estavam restritas às discussões relevantes em termos de controvérsia jurídica e à transação por adesão no contencioso de pequeno valor.

A rigor, pelos termos da nova regra, tanto o contribuinte poderá apresentar proposta individual de transação para a Receita Federal do Brasil, quanto o próprio órgão poderá apresentar proposta de transação individual para o contribuinte, além da possibilidade de celebração de transações por adesão no contencioso administrativo.

Além disso, outro ponto positivo foi a possibilidade de a transação contemplar a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa até o limite de 70% do saldo remanescente, que será obtido com a dedução da entrada e dos descontos concedidos, admitindo-se a utilização do prejuízo de titularidade do responsável tributário pelos débitos, de pessoa jurídica controladora ou controlada, direta ou indiretamente e de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, desde que apurados e declarados à Receita Federal do Brasil.

A nova lei também passou a prever a utilização de precatório ou de direito creditório com valor reconhecido em sentença transitada em julgado para a amortização do débito a ser transacionado (principal, multa e juros).

Outro avanço foi o fato de que o percentual máximo de redução da dívida passou a ser de 65% do valor total dos débitos a serem transacionados, com o alargamento do prazo para a quitação para 120 parcelas, ao invés das 84 parcelas anteriormente previstas.

Relevante também é o fato de que a nova norma diz expressamente que a impossibilidade material de apresentação de garantias ou de reforço às já existentes não impede a celebração da transação.

Certamente visando estimular maior aderência dos contribuintes à transação, a nova lei também prevê que os benefícios concedidos em programas de parcelamento anteriores, que estejam em vigor e sendo pagos regularmente, sejam mantidos para fins de celebração da transação, considerando-se como quitadas todas as parcelas vencidas e já pagas, não se admitindo, porém, a cumulação com novos descontos na transação.

Nesse caso, uma eventual adesão à transação para débitos incluídos em programa anterior de parcelamento permitirá ao contribuinte alongar o prazo para pagamento da dívida, numa verdadeira inovação com relação a todos os programas de parcelamentos editados ao longo dos últimos anos.

Em muito boa hora, a Lei 14.375/22 tornou claro que os descontos concedidos na transação não serão computados na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que confere inegável segurança aos contribuintes.

Atribui-se ao Procurador Geral da Fazenda Nacional e ao Secretário da Receita Federal do Brasil a competência para a edição de atos regulamentares que tratarão sobre os procedimentos necessários à viabilização da celebração das transações, sobre a possibilidade de se condicionar a celebração da transação ao pagamento de entrada, à apresentação de garantia, à manutenção das já existentes, sobre as situações em que a transação somente poderá ser celebrada por adesão, o formato e os requisitos da proposta de transação e todos os documentos que deverão ser apresentados.

Apesar dos avanços, a Lei nº 13.988/20, na redação dada pela Lei nº 14.375/22, contém previsão no sentido de que, após a aplicação das reduções, o saldo remanescente poderá ser quitado com a utilização de prejuízos fiscais, o que se dará a exclusivo critério da RFB e da PGFN, conforme o débito esteja ou não inscrito em dívida ativa (§1ºA do art. 11).

O Procurador Geral da Fazenda Nacional também irá disciplinar em ato próprio os critérios para a aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para a aceitação da transação individual e para a concessão de descontos.

Por força disso, foi editada a Portaria PGFN 6757, de 29 de julho de 2022, a qual, em que pese tenha contemplado a concessão de descontos de até 65% do valor dos débitos, a utilização de prejuízo fiscal e base negativa para os débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação e a utilização de precatórios próprios ou de terceiros e créditos líquidos e certos reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado para fins de amortização dos débitos, trouxe previsões que restringem o acesso dos contribuintes a esse tipo de negociação.

A primeira delas é a exigência posta como regra geral de que a transação deverá abranger todas as inscrições em dívida ativa elegíveis, vedando-se a adesão parcial.

Reconhece-se o direito de não se incluir na transação débitos que estejam garantidos, parcelados ou suspensos por decisão judicial, admitindo-se que na transação individual se deixe de incluir uma ou mais dívidas, se houver a demonstração pelo contribuinte de que a sua situação financeira impede a inclusão de todo o passivo elegível.

Apesar de não estar claramente previsto na norma o conceito de débito elegível, do conjunto dos dispositivos emerge a conclusão de que se entende por débito elegível aquele que está com status de cobrável.

Em que pese na transação excepcional tenha sido possível ao contribuinte escolher as inscrições a serem transacionadas, não há segurança de que esta escolha será possível nas próximas adesões.

Já no que diz respeito à utilização do prejuízo fiscal, a Portaria PGFN 6757/22 diz que, a exclusivo critério do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, será admitido o uso do prejuízo fiscal e da base negativa para a liquidação de até 70% do saldo remanescente dos débitos, quando demonstrado que esse uso é imprescindível para o plano de regularização e apenas para os créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Outra condição posta na Portaria PGFN 6757/22 para o uso do prejuízo e da base negativa é que inexista outro crédito líquido e certo reconhecido em decisão judicial transitada em julgado e também precatório federal apto a ser utilizado para a quitação dos débitos.

Vedou-se, ainda, a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base negativa nas transações por adesão e na transação individual simplificada.

A Portaria PGFN 6757/22 ainda tinha limitado o uso do prejuízo e da base negativa à quitação de juros, multa e encargo legal, exceto para empresas em recuperação judicial, entretanto, a Portaria PGFN 6941/22, em boa hora, revogou esse dispositivo.

Para as contribuições previdenciárias, permanece válido o prazo máximo de 60 vezes.

Assim, apesar de ter existido um avanço, a Portaria PGFN 6757/22 permanece extremamente restritiva, eis que a ferramenta mais esperada pelos contribuintes, que é o uso do prejuízo fiscal, será admitida pela PGFN de forma excepcional, restrita aos passivos irrecuperáveis e de difícil recuperação e apenas para as transações individuais.

Com isso, empresas que gozem de saúde financeira não terão acesso a esse mecanismo, da mesma forma que empresas que optarem pela transação por adesão também estarão impedidas de gozar desse benefício.

E a mais recente novidade é a publicação da Portaria RFB nº208/22, que, regulamentando a transação no âmbito da Receita Federal do Brasil, trouxe as principais regras sobre o tema.

Em linha com as Portarias editadas pela PGFN, a Portaria RFB nº208/22 prevê a possibilidade de realização de transação por adesão, individual proposta pela RFB e proposta pelo contribuinte, as quais podem ser realizadas na pendência de impugnação, recurso, petição ou reclamação administrativa.

Nessas transações, a RFB poderá prever, a seu exclusivo critério, o pagamento de entrada mínima, o oferecimento de descontos no percentual de até 65% do valor dos débitos nos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de bens arrolados e garantias, utilização de créditos líquidos e certos e precatórios em abatimento da dívida e a própria utilização de prejuízo fiscal e base negativa até o limite de 70% do saldo remanescente do débito, após a aplicação dos descontos.

Admite-se, ainda, a utilização de prejuízo fiscal e base negativa de titularidade de responsáveis tributários, empresas controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, desde que apurados e declarados à RFB.

O prazo para a concessão de parcelamento poderá ser de até 120 vezes, exceção feita às contribuições previdenciárias, cujo limite é de 60 vezes.

Dois diferenciais são importantes. O primeiro é que a transação não necessitará abranger todos os créditos elegíveis para a transação, admitindo-se transação parcial. O segundo é que será admitida a utilização de prejuízo fiscal e base negativa em transações individuais e por adesão, admitindo-se também seu uso para a amortização do valor principal.

Disciplinou-se a existência da transação individual simplificada, aplicável a débitos superiores a R$ 1.000.000,00 e inferiores a R$ 10.000.000,00.

Por fim, vale observar que a Portaria RFB nº208/22 também prevê que, na hipótese da transação individual, a fim de averiguar a concreta situação operacional e patrimonial do contribuinte, poderá ser designado Auditor-Fiscal da RFB para fins de inspeção no estabelecimento do contribuinte.

Apesar de publicada no DOU de 12/08/22, as regras entrarão em vigor a partir de 1º de setembro de 2022 e, no tange à transação individual simplificada, após 1º/01/23.

Deu-se, inegavelmente, um grande passo com tais regulamentações e agora a expectativa passa a ser também pela publicação dos editais que trarão as transações por adesão já com base na Portaria RFB nº208/22.