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O que aprendi no Vale do Silício

Neste ano tive a oportunidade de participar de um programa de imersão em tecnologia aplicável ao direito, em São Francisco e arredores (o Vale do Silício ou Bay Area). Embarquei em busca de mais informação sobre o que via e ouvia a respeito de uma forma diferente de pensar que resultará em uma transformação radical do mundo. Voltei com a certeza de que essa experiência foi um divisor de águas em minha vida e convencida de que a realidade em que vivemos será intensamente modificada em pouco tempo.

Um bom começo para entender como o Vale do Silício se tornou um lugar tão peculiar e inovador é estudar sua origem. Essa região foi colonizada por pessoas de outros estados americanos e de diversas nacionalidades, que para lá migraram em busca do ouro descoberto no século XIX. O crescimento da região só foi possível pelo grande respeito à diversidade. Na verdade, chega a ser mais do que isso, nessa região a diversidade não é só respeitada, ela é valorizada. Pessoas semelhantes tendem a pensar de forma muito parecida, enquanto que a diversidade incentiva discussões e cria um ambiente favorável ao surgimento de ideias singulares, formadas por um conjunto de pessoas com experiências de vida diferentes.

Talvez uma das coisas que mais tenha me chamado a atenção é a cultura de compartilhamento da informação. Lá prevalece o conceito de que meramente deter conhecimento não vale nada, se você não o colocar em prática. Se você teve uma grande ideia, mas outro a executou, o mérito é totalmente dessa pessoa, já que você não se esforçou, não dedicou seu tão precioso e escasso tempo para tornar seu “sonho” realidade. Além disso, compartilhar ideias possibilita que outras pessoas possam sugerir melhorias ao seu projeto, tornando-o realmente incrível.

Outro aspecto cultural relevante para a inovação constante é a forma como lidam com o “fracasso”. A falha é praticamente um troféu, significa que você tentou, que você correu atrás de sua ideia e fez o possível para torná-la viável. Se não deu certo uma vez, aprenda com seus erros e tente novamente, tente quantas vezes forem necessárias, pois em algum momento você atingirá seu objetivo. E em cada tentativa e mesmo depois de emplacar alguma ideia continue se atualizando, se reinventando ou “pivotando” como o pessoal da tecnologia gosta de dizer.

Muitos defendem que daqui para frente teremos que nos reinventar a cada 2 ou 3 anos, já que as transformações serão tão rápidas e intensas, que nosso conhecimento se tornará rapidamente obsoleto. O caso da Kodak, fundada em 1888, talvez seja um dos melhores exemplos dessa situação. A empresa que acabou por pedir falência em 2012 e hoje praticamente não opera mais, foi responsável, na década de 70, por 85% das vendas de máquinas fotográficas nos Estados Unidos, e foi na Kodak que a câmera digital foi inventada, mas a empresa não vislumbrou o poder disruptivo dessa invenção e acabou sofrendo as consequências da alteração do modelo de negócios em sua área de atuação.

Para o “tradicional” meio jurídico o uso da tecnologia será cada vez mais fundamental, já que algumas tarefas serão desempenhadas de modo mais eficiente por ferramentas de inteligência artificial, o que possibilitará atender aos anseios dos clientes com relação à redução de custos jurídicos e rapidez no atendimento. Mas de qualquer forma, o contato do advogado com o cliente sempre será fundamental.

Terão destaque os advogados estratégicos, aqueles que verdadeiramente entendem os problemas do cliente, conseguem pensar em estratégias viáveis e encontrar alternativas inovadoras para solucionar os problemas dos clientes.

Por fim, acredito que a as novas tecnologias irão criar um ambiente promissor, com diversos novos desafios, especialmente para os advogados, em áreas e assuntos que até então sequer eram imaginados. Aqueles que estiverem mais atentos e preparados terão um vasto campo de atuação, não só nos ramos tradicionais do direito, mas em novas áreas e demandas que surgirão.


Esse artigo foi publicado primeiro pelo Jota em agosto de 2018 no site www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-que-aprendi-no-vale-do-silicio-30082018