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Observatório do TIT: A guerra fiscal e a Lei Complementar 160/2017

O portal Jota publicou artigo dos sócios Júlio de Oliveira e o Gabriel Caldiron Rezende em que analisam a remissão de débitos tributários e a Lei Complementar 160/2017.

Observatório do TIT: A guerra fiscal e a Lei Complementar 160/2017

Câmara Superior mantêm autuações após a lei, sob o fundamento de não estarem presentes requisitos para remissão

Introdução

Nesta etapa da 2ª fase do Projeto “Observatório de Jurisprudência do TIT/SP”, avaliamos, principalmente, os acórdãos da Câmara Superior publicados no período de 07/01/2019 a 18/01/2019.
Identificamos que a Câmara Superior prolatou neste período 25 acórdãos, sendo:

  • 18 resultantes do não julgamento do mérito em razão do não conhecimento do recurso especial ou da conversão do julgamento em diligência;
  • 1 referente a operações com armazéns gerais (AIIM 4020249);
  • 1 sobre a regra de contagem do prazo decadencial (AIIM 4026245);
  • 1 que resultou na anulação da decisão recorrida, em razão de contradição (AIIM 4030374);
  • 1 relativo a irregularidades na transferência de créditos em regime de apuração centralizada (AIIM 4027487);
  • 1 sobre erros em obrigações acessórias (AIIM 4058300); e
  • 2 sobre guerra fiscal (AIIM 4095971 e 4019894).

Dada a relevância do tema e das alterações legislativas posteriores ao período dos julgados analisados durante a 1ª fase deste Projeto, notadamente a Lei Complementar nº 160/2017 e o Convênio ICMS nº 190/2017, decidimos por analisar neste artigo os julgados sobre guerra fiscal.

A guerra fiscal

Conforme esclarecemos na 1ª fase deste Projeto, “guerra fiscal” é nomenclatura que se refere a discussões decorrentes da concessão de benefícios fiscais do ICMS pelos Estados e pelo Distrito Federal, sem a autorização unânime no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei Complementar nº 24/1975, em observância ao art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal.

Assim, com base no art. 8º, I, Lei Complementar nº 24/1975[i], bem como no art. 36, § 3º, da Lei Estadual de São Paulo nº 6.374/1989[ii], o Estado de São Paulo lavrou inúmeros autos de infração contra contribuintes paulistas, a fim de exigir eventuais diferenças entre os créditos de ICMS apropriado pelo destinatário em operações interestaduais sujeitas a benefícios fiscais não autorizados pelo CONFAZ e o imposto efetivamente devido pelo remetente.

Em análise dos julgados do TIT proferidos entre 01/08/2009 e 31/05/2017, realizada na 1ª fase deste Projeto, concluiu-se que, segundo orientação definida pela Câmara Superior, este Tribunal entende ser legal a cobrança da parcela do ICMS desonerada no Estado de origem, sem autorização prévia.

Ademais, constatou-se, também, que o TIT editou a Súmula nº 11/2017, que assim dispõe: “Na hipótese de transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, é legítima a glosa da parcela dos créditos de ICMS relativa a benefícios fiscais concedidos irregularmente pelo Estado de origem, sem prévia autorização do CONFAZ, consoante o disposto no artigo 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, bem como no §3º, do artigo 36, da Lei nº 6.374/89.”

A Lei Complementar nº 160/2017 e o Convênio ICMS nº 190/2017

Buscando solucionar a celeuma acarretada pela guerra fiscal, foi editada a Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, que autoriza os Estados e o Distrito Federal a editarem convênio específico para: (a) remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes dos incentivos concedidos sem o aval do Confaz; e (b) reinstituição dos benefícios, por prazo determinado, conforme o tipo de atividade econômica beneficiada.

Nos termos do art. 5º desta lei complementar, tendo os Estados e o Distrito Federal elaborado o referido Convênio e seguido as disposições nele constantes para remissão de créditos, isso seria suficiente para afastar “as sanções no art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975, retroativamente à data original de concessão da isenção, do incentivo ou do benefício fiscal ou financeiro-fiscal, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo”.

Assim, a fim de disciplinar a Lei Complementar nº 160/2017, foi editado o Convênio ICMS nº 190, de 15 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a remissão de créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com as formalidades constitucionalmente exigidas.

Em síntese, de acordo com o Convênio ICMS nº 190/2017 e suas alterações, para a remissão, anistia e reinstituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS, as Unidades Federadas deverão:

  • publicar, em seus respectivos diários oficiais, relação com a identificação de todos os atos normativos que instituíram de forma inconstitucional benefícios fiscais, até 29 de março de 2018, para os atos vigentes em 08 de agosto de 2017; e até 28 de dezembro de 2018, para os atos não vigentes em 08 de agosto de 2017;
  • efetuar o registro e o depósito, na Secretaria Executiva do CONFAZ, da documentação comprobatória correspondente aos atos concessivos dos benefícios fiscais em questão, inclusive os correspondentes atos normativos, que devem ser publicados no Portal Nacional da Transparência Tributária e disponibilizado no sítio eletrônico do CONFAZ até 31 de agosto de 2018, para os atos vigentes na data do registro e do depósito e 31 de julho de 2019, para os atos não vigentes em 8 de agosto de 2017;
  • editar lei prevendo a remissão e anistia dos incentivos fiscais, as isenções e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais cuja documentação tenha sido registrada no CONFAZ; e
  • até 31 de julho de 2019, por meio de legislação estadual, reinstituir os benefícios decorrentes de atos normativos publicados até 8 de agosto de 2017, e que ainda estejam em vigor.

Por fim, a cláusula 8ª, § 2º, do Convênio ICMS nº 190/2017, estabelece que a remissão e a anistia dos créditos tributários relativos aos benefícios fiscais irregulares ficam condicionadas à desistência:

  • de ações ou embargos à execução fiscal relacionados com os respectivos créditos tributários, com renúncia ao direito sobre o qual se fundam, nos autos judiciais respectivos, com a quitação integral pelo sujeito passivo das custas e demais despesas processuais;
  • de impugnações, defesas e recursos eventualmente apresentados pelo sujeito passivo no âmbito administrativo; e
  • pelo advogado do sujeito passivo da cobrança de eventuais honorários de sucumbência da unidade federada.

Como é possível notar, a remissão e anistia não é automática, porquanto requer condutas ativas por parte das Unidades Federadas (publicação de listagem de benefícios fiscais, depósito de atos normativos, edição de lei, etc.), assim como dos contribuintes (desistência de processos administrativos ou judiciais relacionados a tais benefícios).

Ressaltamos, por oportuno, que diversos Estados e o Distrito Federal têm cumprido as exigências do Convênio ICMS nº 190/2017, conforme informações constantes da página eletrônica do CONFAZ[iii].

O TIT e o Convênio ICMS nº 190/2017
Evidentemente que a Lei Complementar nº 160/2017 e Convênio ICMS nº 190/2017 foram publicados após a lavratura de diversos autos de infração em discussão perante o TIT, de forma que há contribuintes suscitando superveniência desta legislação como fato novo prejudicial ao processo administrativo, requerendo sua suspensão, até que as respectivas Unidades Federadas de origem cumpram os requisitos para a remissão e anistia. Este foi justamente o caso dos acórdãos referentes aos AIIMs 4095971, decorrente da concessão de créditos presumidos pelo Mato Grosso, e 4019894, decorrente da concessão de créditos presumidos pelo Mato Grosso do Sul e créditos outorgados por Goiás.

Ressaltamos que ambos os casos tratam da discussão de guerra fiscal em transferências interestaduais, hipótese em que o TIT, por meio da Súmula nº 11/2017, possui entendimento consolidado no sentido de ser legítima a glosa dos créditos relativo ao imposto desonerado na origem. Assim, quanto ao mérito da discussão, não houve modificação na jurisprudência.

O que se discutiu foi a possibilidade de se suspender o julgamento em razão dos trâmites previstos no Convênio ICMS nº 190/2017. Assim, estabeleceram-se as seguintes correntes de entendimentos acerca da matéria:

  • corrente vencedora: ainda que o Estado de origem cumpra com todas as formalidades do Convênio ICMS nº 190/2017, o usufruto da remissão e anistia depende, ainda, da desistência de impugnações, defesas e recursos apresentados pelo contribuinte em processo administrativo. Não havendo tal desistência, a remissão, anistia ou sobrestamento do processo não beneficia o contribuinte. Ademais, entendeu-se que a remissão e anistia poderão ser requeridas posteriormente pelo contribuinte, independentemente do resultado do julgamento do Recurso Especial; e
  • corrente vencida: o julgamento deve ser convertido em diligência, a fim de se verificar se o Estado de origem cumpriu com as formalidades do Convênio ICMS nº 190/2017, especialmente no que diz respeito ao depósito de ato concessivo específico do remetente das operações autuadas.

Identificamos que as Câmaras inferiores têm enfrentado a questão quanto aos efeitos da Lei Complementar nº 160/2017 e do Convênio ICMS nº 190/2017, tendo se posicionado da seguinte forma:

  • AIIMs 4061939 (15ª Câmara Julgadora, seção de 18/04/2018), decorrente da concessão de benefício creditício pelo Distrito Federal, e 4094720 (15ª Câmara Julgadora, seção de 27/04/2018), decorrente da concessão de crédito presumido por Minas Gerais: entendeu-se, por maioria, que o Convênio ICMS nº 190/2017 não prejudica o processo administrativo, tendo em vista que a remissão e anistia dependem do cumprimento das mencionadas formalidades, bem como da desistência do processo pelo contribuinte;
  • AIIM 4094699 (6ª Câmara Julgadora, seção de 20/09/2018), decorrente da concessão de crédito presumido pelo Mato Grosso do Sul: trata-se de retorno de diligência determinada para a verificação do cumprimento das formalidades do Convênio ICMS nº 190/2017 pelo Estado de origem. Considerando que não se identificou na diligência se havia sido feito o depósito dos atos concessivos, a corrente vencedora (por voto de qualidade) determinou a continuidade do julgamento, mantendo a autuação fiscal. Houve uma corrente que levou em consideração a informação fornecida pelo contribuinte de que o mencionado depósito havia sido feito, contudo, entendeu-se pela continuidade do julgamento, porquanto o contribuinte não teria desistido de seu recurso; e
  • AIIM 4106024 (6ª Câmara Julgadora, seção de 13/11/2018), decorrente da concessão de crédito presumido pelo mato Grosso do Sul: entendeu-se, por unanimidade, que, independentemente do cumprimento das formalidades pelo Estado de origem, a remissão e anistia dependem da desistência do processo pelo contribuinte.

Quanto ao mérito, as decisões acima mencionadas seguiram a jurisprudência do TIT, entendendo-se pela legitimidade das glosas de créditos.

Conclusão

Diante dos julgados analisados, podemos concluir que a Câmara Superior não tem enfrentado a questão atinente à anistia e remissão dos débitos fiscais sob o fundamento de que não estariam preenchidos todos os requisitos legais previstos na Lei Complementar nº 160/2017 e no Convênio ICMS nº 190/2017, em especial pelo fato de que, nos precedentes analisados, muito embora os Estados tenham cumprido com todas as formalidades previstas no Convênio (a exemplo de Goiás), o contribuinte não teria desistido da discussão do débito, o que seria um impediente para o Tribunal por fim à discussão e reconhecer a anistia e remissão do crédito tributário.

Quanto aos efeitos da Lei Complementar nº 160/2017 e do Convênio ICMS nº 190/2017, verificamos que, apesar de algumas divergências em votos vencidos, o TIT tem formado o entendimento de que o processo administrativo deve seguir o seu curso, até que o Estado de origem siga as formalidades para a remissão e anistia e o contribuinte desista do processo administrativo.

Caso se verifique a ausência de quaisquer dos requisitos previstos na Lei Complementar nº 160/2017 e no Convênio ICMS nº 190/2017, então, a Câmara Superior do TIT tem optado pelo prosseguimento do julgamento quanto ao mérito, mantendo as autuações fiscais com base na jurisprudência até então firmada sobre guerra fiscal.

Autoria:
Júlio M. de Oliveira
Gabriel Caldiron Rezende

Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Dolina Sol Pedroso de Toledo

[i] Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;
[ii] § 3° – Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal.
[iii] https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/certificado-registro-deposito-cv-icms-190-17-1 (acessado em 29/01/2019)

Esse artigo foi publicado primeiro pelo Jota em fevereiro de 2019 no site www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-lei-complementar-07022019